Fiscalização do Trabalho resgata trabalhadores em situação análoga à de escravo no interior da Bahia

Quatro em cada cinco trabalhadores resgatados no país são negros.

 

Uma ação fiscal realizada em 8 de novembro por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou dois trabalhadores submetidos a condições degradantes e jornada exaustiva na zona rural de Maiquinique, a 500 km de Salvador. Há mais de cinco anos no local, as vítimas eram obrigadas a trabalhar na pecuária sem descanso semanal ou direito a férias.

Os alojamentos não ofereciam condições mínimas de conforto e segurança. Foram identificadas residências sem vasos sanitários, chuveiros, água encanada nem geladeira para conservação de alimentos. A iluminação e o sistema elétrico disponíveis eram precários.Alimentos destinados ao consumo, como carnes, eram mantidos ao ar livre em estado de putrefação. A água de beber era proveniente de rios próximos, sem o tratamento adequado para consumo humano.

“Em casos assim, não é raro que o trabalhador resgatado não tinha se dado conta de que estava sendo vítima de trabalho escravo contemporâneo. Além de resgatar a pessoa da exploração, precisamos ajudar a resgatar sua dignidade e sua confiança na sociedade”, relata o Auditor-Fiscal do Trabalho Maurício Passos, chefe de Inspeção do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho da Bahia – SRT/BA.

Além da Auditoria-Fiscal do Trabalho, a ação contou com a participação e apoio operacional do Ministério Público do Trabalho, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, Polícia Federal e Defensoria Pública da União.

 

Trabalho escravo moderno

Mais de 130 anos após a abolição oficial da escravatura, os casos de exploração do trabalhador seguem uma realidade no Brasil. Os dados revelam que a escravidão da população negra no Brasil não acabou nem mudou de cara. Segundo pesquisa divulgada pela organização Repórter Brasil, a maioria das pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão resgatadas até 2019, não só era negra como possuía baixa escolaridade e foi resgatada de serviços rurais, domésticos e da construção civil.

De acordo com o vice-presidente da Delegacia Sindical na Bahia do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (SINAIT DS/BA), Diego Barros Leal, toda a sociedade deve se conscientizar sobre o combate à exploração do trabalhador. 

AFT Diego Barros Leal – Presidente SINAIT DS/BA

 

“Para levar esta pauta a todos os setores da sociedade, é fundamental fortalecer a carreira de Auditor-Fiscal do Trabalho, garantindo a ampliação do alcance e da efetividade da fiscalização e combate ao trabalho análogo à escravidão na Bahia e no Brasil”, afirma.

 

 

 

Resultado de intensa mobilização e luta do SINAIT, a realização de um concurso aprovado recentemente vai reforçar a inspeção e proteção de direitos fundamentais com a abertura de 900 vagas.

 

ASCOM SINAIT DS/BA

 

Moção de Apoio à Fiscalização do Trabalho Escravo Doméstico

A Delegacia Sindical na Bahia do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (SINAIT DS/BA) manifesta a sua preocupação e vigilância acerca do caso da trabalhadora Sônia Maria de Jesus, resgatada de uma situação de trabalho análogo à escravidão no ambiente doméstico, em operação conjunta com o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e a Polícia Federal no dia 5 de julho de 2023.

 

 

Sônia Maria de Jesus, trabalhadora doméstica resgatada em condições análogas à escravidão.  FOTO: Reprodução.

 

Uma mulher negra, surda, levada aos 9 anos de idade para uma família onde permaneceu por cerca de 40 anos realizando trabalhos domésticos sem remuneração e outros direitos. Privada de educação, permaneceu analfabeta e não versada em libras, o que a impedia de manter uma comunicação plena mesmo com sua deficiência. Também foi privada de convívio social ou familiar fora da casa em que era explorada. Sem cuidados de saúde e odontológicos, Sônia perdeu três dentes. Sem documentos oficiais até o ano de 2019, foi colocada em um não-lugar, como uma pessoa que não existia formalmente.

 

No dia 6 de agosto de 2023, a Justiça autorizou que Sônia fosse levada de volta para a casa das mesmas pessoas que, segundo as investigações realizadas na operação, agiram como seus algozes.

 

No papel de entidade de classe, que defende as prerrogativas institucionais da Inspeção do Trabalho e luta para que o trabalho escravo contemporâneo seja erradicado de vez da nossa sociedade, reforçamos o coro de toda a sociedade que clama para que esta decisão seja revista e que Sônia possa, finalmente, exercer sua cidadania plena, vivendo em liberdade e com seus direitos respeitados.

 

Também repudiamos as repercussões negativas que recaíram sobre o Auditor-Fiscal do Trabalho Humberto Monteiro Camasmie, coordenador da operação de resgate da trabalhadora. Prestamos solidariedade ao colega e nos disponibilizamos para, juntamente com toda a categoria, garantir-lhe o apoio necessário. Em respeito a ele e a todos os demais Auditores-Fiscais do Trabalho, que têm como missão ajudar a construir um país com trabalho digno, onde a escravidão não seja mais algo corriqueiro em nossa sociedade.

 

Parafraseando o Instituto Trabalho Digno, não podemos deixar que se transforme “o Poder Judiciário na famigerada figura do ‘Capitão do Mato’, aquela importante e temida figura da escravidão clássica que tinha por função capturar e devolver aos escravocratas os escravos fugidos”.

FOTO: Reprodução